quarta-feira, 24 de junho de 2015

sobretudo as pretas.

Não, não enlouqueci. Acho que ainda não, pelo menos. O título desse texto poderia ser vários, mas eu achei que esse caberia. 
Há dias (ou meses, sendo sincera) que eu quero escrever sobre uma infinidade de coisas que me vem à cabeça, mas, como eu estou tomada pela rotina, sempre acabo deixando pra depois e esse depois nunca chega. Geralmente, as coisas que vão surgindo na minha cabeça eu anoto em palavras-chave num bloco de notas do celular e depois de um tempo não faço a miníma ideia do que eu queria dizer com aquilo. Nesse momento o que tenho no bloco de notas é: "sobre as cores que vemos o mundo"; auto sabotagem da felicidade"; "filme doador de memórias"; "jogo detetive"; "Schopenhauer sobre amor e as vontades"; "astigmatismo - se meus olhos tirassem fotos" e pra finalizar: uma lista de nomes próprios que me vêm à mente de vez em quando e eu anoto (não faço ideia do porquê, mas é mania, vai entender...). 
Enfim... voltando ao texto e ao título. Esse título foi uma pergunta que um aluno me fez hoje na sala de aula. Sim, isso mesmo, eu cheguei em sala e ele disse "Profe, o que significa "sobretudo as pretas?" e eu fiquei com cara de "Oi?", mas o contexto é que em outra aula ele perguntou a outro professor se ele gostava de azeitonas e o professor respondeu "sobretudo as pretas", o guri ficou intrigado porque não entendeu a resposta e emudeceu e me solta essa no meio da minha explanação sobre o gênero Crônica. Depois de todo contexto explicado e eu ter explicado que "sobretudo" tem papel de advérbio (matéria que eu já tinha dado anteriormente!), pedi que eles escrevessem uma crônica e o menino escreveu sobre o que? Isso mesmo, sobre o "sobretudo as pretas". Isso me faz refletir sobre a forma como vemos o cotidiano, eu sempre tento observar os detalhes, os diálogos, as atitudes das pessoas como se o tempo parasse pra eu ficar vendo o mundo como numa galeria de arte. Pena que não é e o tempo não para pra gente ficar observando. Há uns anos, quando eu estava nas primeiras fases da graduação, lembro de uma discussão sobre o flâneur e sobre a alma das ruas, é mais ou menos isso que sinto quando o mundo passa rápido pela gente, eu paro. Parece paradoxal, e pode até ser que seja, mas é uma espécie de terapia. Observar o tempo passar, as pessoas passarem, o mundo acontecer e você só existir. Esse aluno, quando me fez essa pergunta no meio da aula de outro assunto completamente diverso, fez-me refletir sobre como a gente faz tudo passar correndo e não para um pouco pra pensar nas palavras, pra refletir, pra questionar... "Sobretudo as pretas" poderia ser uma metáfora da vida, "sobretudo" é uma palavra utilizada como advérbio, ou seja, está junto de um verbo, uma ação, modifica uma ação; pode não ter significado dentro de um contexto, mas quando vêm junto de uma especificação, te dá um significado... ou seja, a ação do aluno trouxe uma reflexão, veio junto uma pausa, um momento pra observar. E pensar. A ironia de tudo isso é justamente que o gênero textual de que falávamos em sala tem como ponto de partida assuntos do cotidiano. E não é que gerou pano pra manga? 
Sobre as outras anotações do bloco de notas, lembrei de outro "acontecimento letivo". Dia desses, coincidentemente na mesma turma, ao término da leitura de uma crônica sobre uma "mãe de família" que parecia ter enlouquecido pois todos os produtos que utilizava em casa, ela virava pra uma câmera imaginária e falava sozinha, como em uma propaganda, discutíamos sobre manipulação e consumismo e eu lancei a pergunta "Vocês já jogaram The Sims?", a galera em coro respondeu positivamente e eu "vocês nunca pensaram que podem estar sendo comandados, como os Sims? Que tudo em volta é uma ilusão?". Pronto. Provoquei os pesadelos das crianças. Já começaram a xingar seus supostos "comandantes", outros diziam que seus "players" estavam de sacanagem porque cancelavam a ação de estudar minutos antes da prova etc etc até que um, especial, solta "Profe, tu deveria ser professora de filosofia! Fica fazendo a gente pensar nessas coisas sem resposta". Aí eu fiquei satisfeita. 
Hoje, lendo o bloco de notas e observando a janela do ônibus quando voltei da aula do "sobretudo as pretas", lembrei de uma aula de Filosofia que tive no Ensino Médio, não lembro exatamente em qual ano. Eu costumava adorar as aulas de Filosofia (sim, MUITO mais que de Português), principalmente porque eu poderia colocar pra fora os meus questionamentos sem resposta que eu ficava martelando na minha cabeça olhando pro céu à noite. Numa das aulas, o professor (que eu não lembro nome e se eu ver na rua, não faço ideia de quem seja) falava sobre Schopenhauer; ele sentou em cima da mesa e falava e falava e falava - a turma talvez nem estivesse prestando atenção, porque o pessoal não era muito disso na escola estadual que eu estudava, mas até que eles eram controlados, mas isso é outra história - e ao final da aula ele pediu que, em dupla ou grupo, escrevêssemos um pequeno texto das nossas impressões sobre o filósofo. Eu, como geralmente fazia, escrevi tudo e botei nome dos meus colegas (ou colega, aquele que odiava escrever e eu não me importava de botar o nome dele, porque ele era bom na hora de apresentar trabalho). Lembro até hoje do que pesquisei, da aula, do que li e mais ou menos do que escrevi... resumindo, o filósofo fala sobre as vontades humanas, sobre do que somos movidos, na minha opinião, nossas fraquezas... As vontades são como as expectativas, precisamos supri-las, satisfaze-las, pra poder alcançar a tão desejada felicidade, que é momentânea, mas se isso passar não seríamos mais felizes. É meio profundo pensar que uma aula de ensino médio me fez pensar e escrever um texto constatando que um filósofo disse que a moral da vida é a gente ser frustrado e por alguns momentos sermos felizes. Por que eu tô falando isso tudo? Porque hoje, nessa altura do campeonato, que eu não sou mais aquela aluna de ensino médio, mas sim professora Ensino Fundamental II, eu preciso pensar nessas expectativas e vontades que tenho e que deixo na mente dos alunos... Hoje, eu acredito que Schopenhauer me ajudou a ver que a vida é movida pelas nossas vontades e, às vezes, por algumas frustrações, mas a felicidade almejada não pode ser plena, porque assim não há o contraste e a sensação de objetivo alcançado. Felicidade contínua é apenas estabilidade, é monotonia, é meio tedioso. (não que eu queira levar na cara o tempo todo pra ~~contrastar~~ com a felicidade, né?), enfim... um pouco disso, pode ser ilustrado no filme "O doador de memórias" (é a tradução, não sei o nome original/que citei lá em cima, do bloco de notas), nesse filme as pessoas injetam toda manhã uma droga que as faz esquecer de todas as coisas ruins do mundo, todas as emoções, violência, tudo, eles vivem constantemente na "Paz" (se é que se pode dizer que existe paz, se não  há violência pra contrastar) e [ALERT SPOILER] ao final um senhorzinho doa suas memórias do passado e um menino começa a ter emoções novamente, ter tristezas, alegrias, vontades, VONTADES. Essas vontades que me fazem parar e observar o mundo de vez em quando, que me fazem chorar de vez em (sempre) quando , que me fazem rir... Sim, as vontades, a que nos dão frustrações, aquelas lá que movem montanhas (ou talvez o ditado não seja bem assim...) No fim, a filosofia é tanta na minha cabeça que talvez seja só questão de explicar que "sobretudo as pretas" é só um advérbio numa frase com elipse do verbo, ao invés de inspirar o menino a escrever uma crônica sobre isso...
Ou talvez não.