terça-feira, 5 de março de 2013

sobre memória e esquecimento, ou, sobre felicidade e dor, ou ao contrário.


Conversando com a minha mãe, no hospital essa semana, a gente falava sobre a maravilha que é "esquecer". Ela teve que passar por uma cirurgia, em consequência da doença que ela tem, Crohn. No hospital é sempre um clima ruim, enquanto pacientes, ficamos de baixo astral e o mal-estar é constante. No entanto, eu, que passei por 4 cirurgias delicadas em +/- 3 anos, tentei de alguma maneira animá-la, dizendo que já não lembro das dores e do sofrimento que foi ficar no hospital. Ela passou a pior noite da minha vida junto comigo, quando meu cérebro dançava na minha cabeça. Foi uma sensação terrível, mas hoje já não sei mais descrevê-la, porque meu corpo esqueceu (ainda bem!). O caso é que esse processo de lembrar e esquecer é uma coisa tão louca, mas tão necessária e tão automática na nossa vida que a gente nem percebe e nem dá valor. Aliás, a gente não dá valor a inúmeras coisas quando estamos saudáveis, mas eu lembro de já ter falado disso e lembro também de comentar que odeio esses comentários do tipo "ah, mas às vezes a gente precisa passar por uma coisa ruim pra dar valor"... Eu acho que não precisa não! Assim como eu acho que não precisamos lembrar de tudo (que já passamos) pra saber o que queremos ou não pras nossas vidas. Imagina só o que seria da nossa cabeça se nós lembrássemos de TUDO pelo que passamos, precisaríamos de um cérebro imenso, íamos parecer aquele personagem de animação "MegaMente"... Prefiro esquecer. Às vezes a gente briga consigo mesmo porque a memória não é tão boa e não decoramos "aquela matéria pra prova", ou esquecemos o guarda-chuva em casa e caiu uma tempestade na hora de voltar do trabalho... Mas aí vamos pensar como a Pollyanna, imaginem que pior seria se a gente esquecesse como respirar? E vamos problematizar a situação... enquanto fazemos qualquer coisa no dia-a-dia, esquecemos que estamos respirando, mas nosso corpo inteligente lembra sozinho pra nós podermos lembrar de outras coisas que julgamos mais importantes. 
Olha que interessante, julgamos que 'OUTRAS COISAS' são mais importantes que respirar, mas quando estamos num hospital, respirar parece uma coisa extraordinária, uma benção, uma dádiva, qualquer coisa genial e maravilhosa. Dei o exemplo de 'respirar', pra não dar um exemplo mais nojento, porque sou uma garota comedida (cof cof). 
Semestre passado, a última matéria que eu fiz no mestrado, por coincidência ou não, era sobre memória. (e várias outras coisas, que não convém ficar enumerando e que, óbvio, algumas coisas eu esqueci mesmo) Não lembro qual autor exatamente, Pollak ou Halbwachs ou...?, discutia a questão da memória silenciada... é um caso complicadinho, parece paradoxal... existem as lembranças que geralmente atribuímos às coisas boas, nostalgias, mas existem lembranças que não são bem-vindas... Nem toda "ativação de lembrança" é boa como a Madeleine de Proust. Algumas memórias querem não ser lembradas, essas são as dores (no meu caso, a dor no cérebro dançarino, que eu lembro só da situação, mas não quero lembrar da dor nunca!). É engraçado como as pessoas geralmente querem falar das lembranças boas, mas as lembranças ruins preferem que sejam "apagadas" e, por isso, calam. O mais estranho é que geralmente, pras coisas ruins existem mais ouvintes que pras coisas boas. 
Vê-se o fenômeno "compartilhamento em redes sociais", compartilha-se muito mais desgraça que coisas boas. As redes sociais são como o Big Brother (não o da TV, o de Orwell mesmo), mas pioradas. As pessoas compartilham na rede a todo instante informações desnecessárias, como quem diz "oi, estou aqui! Lembrem que eu existo!". O que me intriga é saber se lembraríamos (bem ou mal) dessas 'tais pessoas' se a vida privada não fosse tão pública, como hoje em dia. Como as pessoas viviam antes da internet? Eu já tinha nascido antes disso. Nem eu lembro! 
Lembrar e esquecer são coisas tão comuns e ao mesmo tempo tão complexas. Essa necessidade de compartilhar a vida nas redes sociais deve ser consequência de algum tipo de medo de ser esquecido, ou de não ser lembrado (e isso não é a mesma coisa! e eu já falei disso! e eu acho que tô muito repetitiva. não. vamos dizer que eu só tô lembrando)
Eu, com meu blog e redes sociais e tudo o mais, faço parte dessa "massa" apavorada que compartilha a vida por aí, pra ser lembrada. E, como diz a Emília (sim, a do Monteiro Lobato), o escrevedor de memórias escreve de um jeito que o leitor fique fazendo grande ideia do escrevedor. Óbvio que eu seleciono o que quero que seja mostrado, assim como nosso cérebro seleciona o que a gente quer (e/ou precisa) lembrar... Porém, ao contrário das teorias sobre a memória silenciada - geralmente as memórias ruins são silenciadas - , (sem entrar no mérito do que seriam memórias ruins, academicamente falando os exemplos eram as memórias da guerra, assim como na crise do "Narrador" do Benjamin e aí eu lembro de já ter falado da "crise dos ouvintes") eu saio distribuindo memórias mucho loucas de situações pessoais relacionadas a momentos em hospital e etc. Pra uma pessoa normal, memórias em hospital não são coisas boas (pra mim também não, óbvio!), mas a questão é: eu ajeito as minhas memórias como eu quero, registro lembranças e torno públicas da maneira como eu gostaria que elas ficassem na memória de outras pessoas. Eu acho memórias de hospital coisas ruins, mas eu transformo (ou tento, né) em coisas não tão ruins, digamos que sejam despojos de guerra. Os outros é que julguem da maneira como quiserem.
(Ultimamente o que parece que eu tento mostrar pras pessoas é que hospital pra mim é fichinha, difícil mesmo é a vida acadêmica, mas... né?)
Convenhamos que a maneira como as pessoas querem ser lembradas hoje em dia é um pouco bizarra e o mais bizarro é a incrível habilidade de sair julgando e falando sobre a vida pública dos outros, como se não tivessem teto de vidro. Eu nem lembro mais porque eu comecei a falar disso (olha, que incrível!), mas lembrei de um monte de outras coisas e também lembrei de olhar no relógio e lembrei que eu preciso dormir, porque amanhã cedo eu vou pro hospital de novo, pra ficar com a minha mãe e pra lembrá-la que dor é passageira, como tudo na vida. menos o amor, principalmente o de filha. e desse eu não esqueço. :)