quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

vem Kafka comigo, ou, arte contemporânea e a percepção

Esse deveria ser um post bonito cheio de observações sobre o novo ano e tudo o mais, mas quando fico muito tempo sem escrever, acumula tanta coisa que eu quero escrever que vai dando uma preguiça. É tipo uma bola de neve, mais coisas, mais preguiça e eu vou empurrando com a barriga (e olha que minha barriga tá bem "cushingniana"), aí quando escrevo nunca sai nem metade do que eu queria e é aquela decepção... É quase a mesma coisa quando nós vemos uma imagem bonita e tiramos foto, nunca sai do jeito que a gente viu (e também não é porque colocou um filtro no instagram que a foto vai ficar profissa), por isso, eu queria que meus olhos tirassem fotos e que eu tivesse um chip no meu cérebro pra registrar tudo que eu penso, vejo e tudo o mais...
Deve ser por isso que facebook, twitter e tudo que é ferramenta da internet faz tanto sucesso, as pessoas têm necessidade de "compartilhar", mas os outros que veem os compartilhamentos nunca vão achar tão interessante quanto nós, e também deve ser por isso que tem tanta coisa irritante e inútil sendo compartilhada, a gente sempre quer que os outros vejam as coisas como nós e sintam o que sentimos quando falamos de alguma coisa, é meio esquisito, mas se fosse assim "o que seria do rosa se todo mundo gostasse do azul?", né?
Isso me lembra discussões de Teoria Literária... nos tempos da Poética, o negócio era tentar representar a perfeição, imitando a vida; depois veio a transgressão, arte moderna, contemporânea e o negócio era mostrar uma visão diferente da vida, por exemplo, quem diria que as formas geométricas de Picasso estão representando pessoas? ou, quem diria, que Gregor, de Kafka, poderia se transformar num inseto, sem motivos, sem estar sendo punido pelo destino?
É questão de percepção, é questão de ponto de vista. Picasso via o mundo daquela maneira, o personagem Gregor poderia ter se transformado mesmo, ou poderia estar se sentindo/percebendo como um inseto... os seres humanos são bichinhos complexos que "dispendem" muita análise.
Agora entrando no assunto mais comum aqui... o cushing. Talvez se eu tivesse confirmações eu já tivesse postado antes, mas essa novela está longe de acabar. Até parece que 3 cirurgias seria o suficiente, né? Se é pra ser um caso raro, então tem que fazer direito.
Quando eu lia blogs e sites e depoimentos de outras pessoas com cushing, mostrando fotos na cama do hospital, praticamente vivendo para a doença isso me deprimia e eu parei de ver essas coisas, mas sempre fiquei com uma pulguinha atrás da orelha pensando "po, mas é tão simples, a porcentagem de cura com cirurgia é maior que a 'falha'". A pulguinha já foi embora, cansou de ir pro hospital comigo e não ver resultado das cirurgias. Dessa vez minha recuperação foi diferente, mas pela cirurgia em si e não por consequência do cortisol ter baixado. Inclusive, quando fiz o exame pós-cirúrgico, meu cortisol estava ainda mais alto do que qualquer dia já esteve. Claro que a médica para me tranquilizar disse que poderia ser pela infecção (sim, ainda tive uma infecção no nariz pra ajudar e como cortisol é nosso antibiótico natural isso poderia influenciar em alguma coisa), e pediu pra que eu fizesse o exame depois de um tempo (fiz ontem, lógico que não saiu resultado ainda). Num belo dia, depois de ter ido à médica e ela ter dito pra não tomar remédio nenhum, pra esperar e etc... eis que eu surto por alguma coisa babaca e segundos depois eu penso "por que, diabos, eu fiz isso?" desato a chorar... minha mãe olha pra mim e diz "Rafa, teu cortisol deve estar muito alto, tu não tem pescoço" (isso era pra dizer que eu estava inchada), reconfortante, né? Aí vou ao espelho (burrada gigantesca) e vem à tona aquela história da percepção... Como eu me vejo? Me transformei num baiacu! É, aquele peixe que incha quando se sente ameaçado, ou quando está com raiva, ou coisa parecida...
Minha vida é como um livro de Kafka, primeiro, pra conseguir a cirurgia foi um Processo burrocrático com o plano de saúde, enfim, cirurgia feita, continuei na mesma, mas dessa vez me metamorfoseei em um baiacu... A diferença é que até que eu sou um baiacu feliz, e minha família não tá esperando que uma maçã atinja a minha cabeça pra se livrar de mim (eu acho). Próximos passos, provavelmente, serão tirar as adrenais (as glândulas que são comandadas pela hipófise e produzem o cortisol) e aí, a grande irônia: vou ter que tomar cortisol. Agora estou eu esperando novamente pra entrar n'O castelo, ou no hospital, whatever, e saber quando será a próxima cirurgia da minha coleção.
Enquanto isso ("no lustre do castelo"), escrevo...