quarta-feira, 10 de novembro de 2010

filosofia do improviso - ou, comentários (im)pertinentes

O estágio de docência acabou. Quer dizer, as aulas acabaram, porque o semestre ainda está aí e tenho zilhões de coisas relacionadas ao estágio para fazer. Mas, assim como meus alunos tiveram que escrever um texto de memórias sobre algo que ainda não tinha acabado, aqui estou eu fazendo (quase) a mesma coisa.
Confesso que estou com uma preguicinha aguda, parece que quanto mais tempo livre temos, mais preguiça dá. Não que eu tenha tanto tempo livre assim, mas já tive meus dias mais atolados...
A questão é: me forcei a escrever novamente para não perder a força do hábito.
Nesses últimos dias eu estava mais para "revisora" do que "escritora", e não é fácil não, quem é que disse que professor vai para sala de aula por que não gosta de revisão? Professor é revisor! (e também decifrador, porque tem cada hieróglifo, inacreditável!)
Foi uma tarefa árdua e satisfatória. Foi maravilhoso, na verdade, acho que devo ter uma pontinha de masoquista... Mentira. Não sofri com a tarefa de revisão, sofri com qualquer outra coisa que não é explicável em palavras educadas.
Bom (esse "bom" me lembra o início dos textos de um aluno #nostalgia), uma coisa que trabalhamos (é, "trabalhamos", porque meu estágio não fiz sozinha, foi com uma dupla de três, mas enfim, foi em DUPLA.) com os alunos foram "as dificuldades do começo", do começo de escrever, escrever sobre memórias... discutimos horrores, e quando começaram a escrever, adivinhem o que eles mais falavam "não sei começar!" É, a orientação aconteceu continuamente, e depois eles conseguiram começar (e continuar e acabar e ficou lindo!)
O que esses relatos tem a ver com o título? Então... por aqui, por mais que não pareça, tudo tem embasamento!

Conversando com uma (am)Ada amiga, cheguei a conclusão que improvisos são muito bem fundamentados. No meio do nervosismo de ministração de aulas também participei da ministração de um minicurso de Direito e Literatura, e pra que melhor do que usar o mesmo texto que foi usado na oitava série, mas com estudantes de Direito? Sim, texto sobre as memórias da Emília.
Minutos antes de iniciarmos o minicurso, conversavamos sobre a possibilidade de surgir perguntas absurdas e/ou incabíveis (ou que não soubessemos a resposta! hahaha), cada um reagiu de um jeito e no fim combinamos uma espécie de "saída de fininho", caso ficassemos em uma situação não muito agradável o jargão seria: "convidamos para participar das reuniões e discutirmos melhor essas questões, pois o minicurso tem outro foco".
No meio das apresentações das minhas colegas de minicurso, eis que surge uma pergunta, pronto, comecei a gelar (e acredito que as outras colegas também), não lembro qual era o teor da pergunta, a única coisa que eu lembro é que desatei a falar e minhas colegas acompanharam o raciocínio, numa espécie de improviso ensaiado... e desenvolvemos maravilhosamente a discussão! Apesar do pouco público e de nossa preparação ter sido às cegas, conseguimos dar conta...
O que mais foi maravilhoso - para mim, é claro - foi justamente a situação em que "tudo" se encaixa... um ser com cara de pré-adolescente, mas que pelo que parecia estava na graduação de direito, prestava atenção às nossas exposições/discussões sobre a Linguagem, e sobre discursos que teriam a pretensão de serem neutros e blablabla e, então solta um comentário "ah, mas meus amigos que fazem Letras dizem que os professores falam que uma poesia, por exemplo, TEM que ter aquela interpretação, senão tá errado"
Lógico que esse ser não sabia com quem estava falando e como pisou no meu calo eu não fiquei quieta... "Olha, eu faço Letras e não é bem assim" e aí a discussão desenrolou e foi muito produtiva!
Todas as minhas queridas colegas citaram (devidamente) Roland Barthes e por dentro eu chorava de felicidade! E Roland Barthes ao mesmo tempo em que era citado, fundamentava minha análise sobre o "improviso"...
A questão é: soubemos "improvisar" porque estavamos bem preparadas, não foi um comentário ao acaso, não eram simples enrolações... e o comentário (im)pertinente do serzinho foi o que suscitou a discussão que fez o minicurso render... Essas coisas (im)pertinentes é que dão mote às melhores conversas, pois ao invés de simplesmente ignorar um comentário, tranforma o comentário em algo produtivo!
No estágio aconteceu algo parecido... uma aula específica foi salva por causa de um comentário de uma aluna "não tô entendendo o que isso tem a ver com Português", pronto! Foi a minha deixa... ao invés de me apavorar terrivelmente, desenvolvi essa questão com eles...
Barthes também fala de repulsa (da leitura) e desejo (da escritura)... a Repulsa em relação à leitura acontece quando alguma coisa é imposta (no caso da discussão do minicurso, seria a tal interpretação que o ser disse que os professores de Letras impunham aos alunos, o que não procede, tanto é que estou aqui expondo meu ponto de vista sem impor nada a ninguém, mas sempre lembrando: nada é neutro, haha) e aí o leitor não vê possibilidades de estabelecer relações com determinado texto, e acaba fazendo daquela leitura algo insignificante (ou, pior, acaba detestando um texto só por causa da maneira como ele foi tratado)
No caso da aula, talvez a forma como as informações estavam sendo tratadas (não, não foi por mim - posso parecer tendenciosa ou o que for, mas é fato) naquela hora estavam parecendo imposições e isso assusta, obviamente.
Não é por nada, mas, por exemplo, a maneira como tratei os textos no estágio foi tão linda, que até eu gostei mais deles! haha
Com certeza, depois de algumas ressalvas, suscitamos o desejo da escritura nos alunos... Esse desejo é a vontade de falar alguma coisa sobre o que se leu, é algum comentário específico que foi ponto de partida para discussões e para se estabelecer relações com outras coisas...
Minhas divagações podem parecer bastante abstratas, mas as minhas aulas foram bastante ilustrativas... O segredo: (que nem é segredo, é só uma habilidade que as pessoas deveriam ter) estabelecer relações.
Preciso até fazer uma confissão, acho que fui bastante "didática"! Não que didatismo seja uma coisa ruim, mas apenas gostaria de retratar alguns comentários antigos sobre "Didática", na realidade, acho que tive traumas com essa disciplina na universidade, e tenho minhas rixas com "pedagogia", talvez eu apenas não tive uma experiência muito boa, não é preconceito, é conceito formado, infelizmente.
Voltando ao tópico, nem sei mais qual era o tópico exatamente, mas tudo bem, memórias são assim, vêm fora de ordem e não são muito claras... Ah! repulsa, desejo, relações... Vou justificar minha retratação sobre a crítica à didática...
Para "ilustrar" um texto em sala, fiz uma dinâmica, é, pasmem! Eu tive ideia de envolver os alunos em uma dinâmica de grupo! Euzinha... e deu certo! Ah, e pior (ou, melhor, na verdade...) não foi apenas uma aula, a maioria das aulas foram interativas!
Eu, que sempre tive pé atrás, quando estava na escola, com essas atividades que os professores faziam os alunos participarem em sala... Acho que eu tinha razão de não gostar, porque as atividades pareciam sem sentido e ninguém me explicava nada...
Nossos alunos tiveram explicações dos objetivos das aulas! E... tchanan! Como mágica, todos gostaram! Todos participaram!
Não falo isso sem embasamento, eles avaliaram! Ouvimos críticas e elogios deles... e nunca tive melhor avaliação na minha vida! Como diria Barthes (novamente), nossa orientação para leitura não foi imposta, fez eles participarem, por isso ao invés de repulsa, eles desejaram relacionar a leitura com críticas maravilhosas, e ao longo do estágio escreveram textos dignos de serem publicados!
Ainda vou publicar em algum lugar, acho que vou abrir uma editora só pra mostrar como os alunos são geniais! Isso que foi só a minha primeira experiência como professora, só tive 25 alunos!
Claro que as aulas não acabaram simplesmente quando acabaram (?!)
É, eu tive a brilhante ideia de fazer uma colcha de retalhos com as memórias deles... Pois, falamos sobre a etimologia da palavra "texto", que vem do verbo latino "tecere", e então nós íamos "tecer os textos" deles, cada aluno = um retalho, todos os retalhos juntos = colcha = texto. Foi lindo, maravilhoso, todos trabalharam em seus retalhos, mas... e depois quem costurou todos os retalhos? eu e minha dupla, LÓGICO! Quem tinha inventado isso mesmo? me diz quem! Porque eu ia matar!
Literalmente, dei meu sangue para costurar essa colcha! Sim, me cortei... e por pouco não manchei um retalho com um retalho do meu dedo! Mas como disse uma aluna "até as rosas tem espinhos, ou seja, tudo na vida tem as rosas e os espinhos."
Não seria tão perfeito se não tivesse imperfeições!
Os alunos escreveram suas avaliações, alguns colocaram nome, outros não (mas, segredinho... nós conhecemos as letras e sabemos quem escreveu o que!)
O que constatei... Nós sabemos os nomes deles, mas eles confudem nossos nomes, recebi uma crítica maravilhosa, mas não em meu nome.
Na verdade fiquei até me perguntando se era pra mim mesmo, senti que eu estava convencida demais, mas todos os indícios apontam para uma simples troca de nomes, condenem-me, fiquei martelando isso o dia inteiro e resolvi me conformar com a troca de nomes...
Como diz a Emília (que eu já citei no post anterior), o escrevedor de memórias coloca as memórias de jeito que o leitor fique fazendo uma alta ideia dele, então eu posso dizer aqui que foi tudo lindo, porque da forma como eu lembro e coloco, eu faço uma alta ideia das minhas memórias, afinal, elas são minhas... e segundo algumas alunas as aulas foram muito "glamurosas", porque eu sou muito "IXperta e fashion" e tudo porque eu sigo a minha filosofia de vida, a filosofia do improviso...