segunda-feira, 26 de abril de 2010

filme trash de sessão da tarde.

Um hospital é um grande palco de uma tragicomédia. Isso não é paradoxal, uma vez que as comédias eram feitas a partir de grandes tragédias, porém, uma mudança básica era a caracterização dos personagens. Tento não ser maldosa nas minhas observações, mas há momentos que uma pontinha de humor, talvez inadequado, nos rodeia e não tem como escapar...
Começarei pelo tema “inclusão social”. Dia da Ressonância da minha linda cabecinha. Dia de passear pelo hospital com aquele lindo pijaminha azul, parecendo uma presidiária. Desço até algum andar misterioso, acompanhada da enfermeira da endocrinologia. A enfermeira que me acompanhava voltou para o sétimo andar e lá fico eu esperando ser furada para o acesso da agulha do contraste (líquido pra ver melhor as imagens da ressonância). Outra enfermeira tenta meu braço esquerdo, só enfiar a agulha e eu “é normal esse enjôo? tá doendo.” e a enfermeira “tens certeza que não estás grávida?” uma pergunta totalmente desnecessária, principalmente porque na hora meu braço ficou roxo e qualquer ser normal teria notado que ela errou minha veia e que estava inchando sem ter injetado nada, depois que seria ridículo passar mal só porque colocou a agulha, grávidas também não tiram sangue pra fazer exames? Comecei a ver tudo branco e não conseguia ficar sentada na cadeira, mais uma enfermeira veio e tirou a agulha, pedi pra tentar a veia na mão, ok, conseguiu, mas mesmo assim ficou roxo (e ainda estou com a marca!). Aí me deitam na maca porque eu já estava meio tonta, sendo que era pra ser um exame extremamente tranqüilo, claro, tirando da mente a ideia de que você ficará durante uma hora e meia fechada num tubo que parece um caixão, sem poder se mexer e ouvindo um baita barulhão “tu tu tu tu tu tu tu tu, tá tá tá tá tá, piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii, péééééééé (...)” e também sem contar com o detalhe de que sou claustrofóbica (e neurótica, principalmente!). Mas como eu estava apenas na primeira semana do meu curso de paciência, então nada de pensar muito, é só abstrair, fechar os olhos e não abrir durante o exame todo; a sala parece um frigorifico, colocam um esparadrapo na sua cabeça para não mexer de jeito nenhum, jogam um cobertorzinho e dão uma campainha pra você apertar “caso aconteça alguma coisa, nós paramos o exame” frasezinha assustadora, mas é só pra fazer ceninha. Depois de toda aquela eternidade de olhos fechados, passando frio e quase ficando surda, acabou. O ouvido sai zumbindo, mas está tudo bem. Aí novamente espera a enfermeira vir te buscar pra voltar pro sétimo andar (mais um exercício de paciência, 30 minutos esperando caladinha...), chegou, vamos para o elevador, um caminho diferente de antes, dessa vez um corredor mais estreito e silencioso, só para funcionários, um elevador antigo, primeira porta aberta manualmente, depois uma grade, todo de madeira por dentro, uma voz do além “qual andar?” não vi nada... olhei pra baixo... Uma anã pilotando o elevador! Um elevador de madeira à manivela!
Pensem em um filme trash de terror, foi exatamente como me senti! Pior mesmo foi segurar o riso, mas sabe como é, tudo a gente supera...
Próximo exame, dia da tomografia, agora é a hora da “prova do curso de paciência”. Acorda cedo, toma banho, come uma maçã, vem a enfermeira “vão te chamar pra tomografia, tens que ficar de jejum a partir do café” ok, é só a partir do café então não tem problema, desço as 7h pro exame, lá vem perguntinhas de alergia e sei lá o que “sim, já fiz uma tomografia, mas fiquei com manchas roxas no rosto e o médico preferiu fazer sem contraste porque poderia ser alergia e minha mãe já teve choque anafilático (ficou sem respirar) numa crise alérgica e concordou por precaução.” Aí pronto, mais uma espera, porque dessa vez teria que ser com contraste, então, liga pra médica pra saber o que fazer “ah, ela não chegou ainda, mas já peço pra ligarem pra radiologia” Nessa espera da ligação, fica a Rafaella sentadinha esperando e aquele entra e sai de pessoas de todos os lugares... Imagens: uma moça com duas bolsinhas transparentes penduradas num cinto, uma com um líquido amarelo e outra um líquido marrom, ui! aí ela me pergunta “por que estás aqui? cê não parece doente”, deu pra sacar que era uma comparação... ainda bem que não pareço! Percebe-se, nessas horas, que nós julgamos os outros a partir do nosso olhar, da nossa situação mesmo; um velhinho de havaianas com unhas compridíssimas e pretas! ganhava do Zé do caixão fácil fácil, esperava também há bastante tempo, subiu sem fazer o exame porque tinha comido uma maçã e tinha que estar de jejum, comecei a apavorar “putz, tô há esse tempo todo aqui esperando, nem vou falar que também comi, não vou subir pra descer depois, ah! mas será que dá alguma coisa? bom, mas já passou 4h mesmo, acho que não tem problema”; de repente chegam enfermeiros da emergência com alguém na maca, mas só vejo os pés e ouço a discussão “não podemos fazer com ele assim desorientado, somente se estiver sedado” buscam sedativo, aplicam e viram a maca, uma caveira com dentes podres e babando começa a olhar pra mim! e nada de ligação, a enfermeira da radiologia liga novamente pra endocrinologia “ah! não avisaram nada que ela estava aqui? bom, mas e a médica está aí agora?” Nada, espera mais um pouco, os médicos da radiologia vem conversar comigo “bom, o procedimento padrão é aplicar um antialérgico, podemos te dar um medicamento corticosteróide e...” Mas corticóide!? É investigação de cushing! Pra que mais? Eu tenho cortisol sobrando... “ah, é mesmo, temos que esperar sua médica ligar então” E se eu não os lembro desse “pequeno” detalhe? Ok, passou... Das 7h às 11h30 lá estou eu em silêncio, a enfermeira passa novamente e pergunta “mas você não fez ainda?”; “não, tô esperando ligarem...” aí a médica liga e diz pra fazer sem contraste. Faço o exame, 10 minutos. Saio do exame e “por que tinha que ficar de jejum?”, “ah, é só por causa do contraste”, “hum, então eu nem precisava?”, “é.” Ufa! Em parte revoltada por estar morrendo de fome, em parte aliviada porque tinha comido uma maçã furtivamente e estava livre de ter qualquer reação e ter ficado em silêncio. Aí espera de novo alguém vir buscar, mais uma hora... “ainda não subisse? ninguém veio te buscar?”, “não...”, “mas eu já chamei, nossa te esqueceram aqui hoje, heim”, “é, e dizem que eu não tenho paciência”, “nossa, então hoje foi pra te testar mesmo!” Viva! Mais pontos para chegar perto do diploma.
Exame sérico de dosagem de hormônio com estímulo de DDVAP. Primeira vez na “Sala de testes, número 13”. Dessa vez o tema é “Fenótipos e estereótipos”. Senta na cadeirinha do lado de um menino que aparentava ter 10 anos, o braço parecia um graveto, enfermeira custou pra conseguir tirar sangue, mas tava indo, o pai do menino sentado esperando, um moço negro (inclusive com um corte de cabelo igual parecendo que o menino era seu clone), e do lado dele um senhor bem velhinho, de bengala, que estava esperando a mulher dele, que era uma senhorinha bem velhinha também (ambos brancos); aí o menino passa mal e a enfermeira diz pra médica responsável na sala “chama o pai dele que tá ali sentado esperando”, a médica levanta e olha pros dois homens sentados e pergunta “qual dos dois é o pai dele?” Nossa, mesmo a pessoa mais desprendida de estereótipos veria que não é questão de educação, é só constatar fenotipicamente que só podia ser um dos dois! Dava pra ver nos olhos do pai da criança aquele sentimento de vergonha alheia, todos que estavam na sala se olharam e eu só conseguia imaginar os pensamentos “Ela só pode estar brincando...” Aí chega a minha vez, acham minha veia tranquilamente, tiram sangue, deixa o acesso, daqui a 15 minutos aplica o medicamento, colhe o sangue novamente, espera mais 15 minutos, colhe de novo, depois mais 15, colhe de novo, e de novo e de novo e de novo... uma hora e meia fazendo isso e retorna pro quarto... Chega lá “Rafa, tivemos que te trocar de quarto porque o outro estava de reforma aí o quarto que você estava virou quarto de homem”, “Ah... que maravilha...”, Entro no quarto pra pegar minhas coisas, uma convenção de médicos e alunos ouvindo as historinhas dos pacientes homens, ouço um trecho de uma das narrações “é, antes da cirurgia da hipófise eu calçava 50, aí depois de tirar o tumor comecei a calçar 48...” Uau! Hipófise também, ui, que ervilhinha poderosa, heim... Bom, fui pro outro quarto, dessa vez dividido com mais 6 pessoas! Mas lá vamos nós para mais uma provação...
Segunda vez na sala de testes, dessa vez outro paciente foi junto, de outro quarto... Um “menino” de 225cm! Hospital de anões e gigantes... Muito simpático o moço, fomos conversando pelo caminho e ele bateu a cabeça num espelho quando saiu do elevador por que estava falando comigo e não viu, já não falo muito, mas aí mesmo resolvi ficar quieta. Chegamos na sala aquela coisa de furo aqui, pega veia ali, aplica medicação e etc e aquele moço enorme começa a passar mal numa cadeirinha minúscula, as enfermeiras ficam apavoradas, mas logo passa e ele já está conversando comigo de novo. TV ligada pra passar o tempo por que não se pode dormir, algum cantor sertanejo num comercial e o pequeno grande moço comenta “ah, eu gosto de bastante música, mas sertanejo me acalma, sabe...”, e eu “Ah, eu não gosto de sertanejo não, sou um pouco chata (modesta) com essas coisas” e ele “gosta de rock né? quando te vi lá no corredor eu logo pensei que gostavas de rock”, ; “é, isso, mas por que logo pensou?”; “mas não gostas desse rock de agora desses meninos que usam calça apertada? não tens cara que gosta disso, tens cara que gosta daquelas coisas mais pesada, heavy metal?” Bom, ele não me respondeu porque logo pensou isso, não sei como meus trajes, de pijaminha azul do hospital, denunciaram isso, mas, como diria meu irmão mais novo, me senti “lisonjeada pelo elogio regozijante (sem regurgitar!)”...
Então... Constato que de todas as situações podem-se arrancar sorrisos...
Mesmo em meio a um circo de horrores (?), ainda há momentos em que sua autoestima é uma boa companheira.